"Não importa o que fizeram com você, o mais importante é o que você vai fazer com o que fizeram com você" Sartre

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Reflexõs Sobre a Existência Humana


Ismael Ferreira


Artigo escrito para cumprimento da disciplina Filosofia Existencialista no curso de Pós-Graduação em Psicologia Existencialista Sartreana da UNISUL.


Esboçar reflexões a cerca da existência humana nas perspectivas anunciadas nas aulas, torna-se o objetivo aqui perseguido. Porém, no máximo, arriscarei alguns apontamentos, uma vez que algumas dessas leituras devem ser amadurecidas e, com certeza, pretendo fazer isso posteriormente. De fato, para mim, o grande avanço está na melhor compreensão de Kirkingard e Heidegger, uma vez que ainda tinha dificuldade em compreender conceitos básicos, porém, sem os quais não poderia avançar minha compreensão sobre os referidos filósofos.
Inicialmente, prefiro discutir o conceito de angustia de Kirkirgard como ponto fulminante de sua filosofia. A angustia da existência em Kirkingard o leva as reflexões que, em última instância, desembocam no absoluto que escapa a aparência e a moral. Poderia dizer que Kirkingard vivencia sua filosofia, colocando a existência como objeto de reflexão filosófica, portanto, faz filosofia com sua existência e existe a partir de suas reflexões. O conceito mais imponente está no abandono de si no absoluto, pois esse abandono é filosoficamente refletido. Abandonar-se e ao mesmo tempo ter claro que o abandono não pode ser no aparente ou mesmo na moral, sendo que ambos devem ser superados num abandono no absoluto que nega a própria moral religiosa e a ultrapassa. Assim, somente perdido se pode achar-se e encontrar sentido para a existência. Somente no absoluto a angustia é superada, sendo que o elemento crucial nessa superação é a fé.
A relação de Husserl com o existencialismo está na base de seu método fenomenológico, uma vez que o fenômeno da existência passa a ser possível de ser conhecido a partir da sua filosofia. O deslocamento para o mundo, ou seja, conforme Husserl, ir as coisas mesmo, caracteriza sua relação com o existencialismo, pois ele foge do racionalismo que tenta interpretar o mundo e representa-lo, pela experiência vivida na relação com as coisas do mundo.
Heidegger, por sua vez, coloca um limite na compreensão do ser, cabendo apenas apreendê-lo parcialmente no ente, fenômeno em que o ser se mostra. A impossibilidade de apreender totalmente o ser em Heidegger é uma reflexão bastante oportuna para a Psicologia, uma vez que o objeto de investigação do psicólogo deve nunca ser inteiramente apreendido, pois, caso o psicólogo entenda que assim pode fazer, será capaz de achar que decifrou o enigma da existência. Heidegger faz ainda uma reflexão sobre o papel da Filosofia uma vez que muitos dos objetos dela passaram a ser objetos de ciências específicas. Então o que é Filosofia senão o pensar?
O Ser Psíquico deve nunca ser totalmente alcançado, deve estar sempre a frente do observador. Porém, referente a existência humana, o DASAIN heideggeriano mostra sua filosofia da existência, pois compreende o humano como jogado no mundo e no mundo define sua existência. Literalmente, Heidegger define o homem como jogado no mundo.
Segundo Sartre (1987), o sujeito no seu fazer-se, mostra-se como atuante e, portanto, capaz de projetar-se para além do tempo presente. Pode ele, projetar-se para o futuro e nesse movimento ele se faz, ou seja, no projeto de sua existência ele se torna o seu projeto. Ai está, segundo Sartre (1987), a diferenciação entre o homem e uma pedra, até mesmo um animal. O homem pode vir a ser o que projetou.
Esse pensamento já mostra o iniciar da diferenciação do existencialismo ateu e cristão, pois a possibilidade de uma escolha é a compreensão de que nada está determinado no céu. Obviamente, não se está explanando o ateísmo sartreano com todas as suas reflexões. Discutir-se-á no decorrer do texto com mais propriedade, porém, longe de pretender definir o termo conforme se deve, por esse não ser o objetivo dessa reflexão. A escolha deve ser compreendida de acordo com a atuação de cada homem na sua realidade concreta. Escolher significa agir em prol de si mesmo, porém, de acordo com as restrições das circunstâncias, levando em consideração a forma como a subjetividade de cada um está sendo construída. Por fim, em relação à escolha, cabe dizer que o homem escolhe mesmo quando se nega a escolher, pois acaba escolhendo a escolha do outro.
A escolha também não pode ser entendida numa perspectiva que descontextualiza o sujeito que é sempre histórico. Escolhas são sucessões de atos de escolhas a cada escolha reforça um comportamento que se torna, com o tempo, tão comum que o fazemos sem grandes reflexões, independentes das consequências. Refletimos apenas depois do sofrimento sem entender, muitas vezes, que as escolhas são construídas numa dinâmica de personalidade e não em atos isolados. Ninguém escolhe sua sexualidade num único ato de escolha, escolhemos na sucessão de escolhas no desembaraçar dos acontecimentos da vida, desde os primeiros momentos. Assim, por exemplo, é que se define a escolha no existencialismo.
O homem é plenamente responsável pelo que é, pelo o que se torna em cada escolha. Assim, o existencialismo pretende levar o homem à posse do que ele é e de responsabilizá-lo por sua existência. A responsabilidade é fundamental no existencialismo, pois essa corrente do pensamento filosófico-psicológico entende o homem em duas perspectivas: as escolhas individuais que faz de cada ser um ser único, sendo que cada escolha individual é também uma escolha de todos, pois quando uma pessoa escolhe individualmente algo para si, nunca escolhe o mal, pois escolhe o que pensa ser o melhor e, por isso, escolhe não só para si, mas faz de sua escolha a escolha de todas as pessoas. Dessa forma, cada escolha individual tem repercussão coletiva e, portanto, amplia a responsabilidade diante de cada escolha individual. O termo utilizado por Sartre (1987) é engajamento, que consiste no fato de que o ato individual engaja toda humanidade.
Na sua construção, o homem se faz a cada escolha e ação, se constrói, portanto, concretamente, age em prol de seu projeto, mas leva em consideração o seu desejo. O desejo é o que realmente quer, tem vontade. Muitas vezes o desejo não é levado em consideração pelo homem, pois pode ser vencido pelo dever-ser, que é a imposição das circunstâncias sobre o ele. Diante dessa forma de viver o desejo não aparece, o querer-ser fica sufocado pelo dever.
Fica evidente também que a existência traz consigo sentimentos como: angústia, desamparo e desespero, experimentados durante todo tempo em que o homem age no mundo. A escolha que não é apenas individual, mas coletiva, leva o homem à angústia de ter que escolher, diante da responsabilidade de saber que não apenas escolhe para si, mas para toda a humanidade. Porém, a angústia não leva ao quietismo, mas à ação e, é exatamente o ter que agir que produz a angústia e saber que o homem será diferente conforme suas escolhas, ou seja, o homem – e o mundo – serão o resultado de suas escolhas.
O existencialismo ateu vê na ausência de Deus a liberdade para escolha e o homem como único responsável por sua escolha individual, já que nunca será apenas sua escolha, pois quando escolhe para si, escolhe para toda humanidade, pois escolhe uma forma de existir. Por conta disso, cabe a responsabilidade que leva à angustia. Além dessa conclusão, é também o ateísmo sartreano que faz com que o homem experimente, além da angústia, o desamparo. Não há nada no céu que determine a vida na terra, portanto, o homem se encontra desamparado, pois não encontra, nem fora, nem dentro dele, algo no que se agarrar. Porém, o ateísmo sartreano não pode ser entendido na perspectiva de uma discussão teórica, mas da real sensação de desamparo, a qual o homem não pode fugir. O mais crente, em algum momento de sua existência, se sentirá sozinho.
O desamparo é o resultado da liberdade, pois a liberdade é uma experimentação fundamental na existência, é o que explica tudo, o desamparo, a angústia, o desespero: a liberdade é a real condição humana, sua condição ontológica: “Por outro lado, se Deus não existe, não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta.” (SARTRE, 1987, p. 9). Portanto, o homem está condenado a ser livre. Pode-se dizer que o homem está livre até para se tornar escravo e, que sua liberdade pode ser restringida quantitativamente pelas circunstâncias, mas nunca tirada totalmente. Mesmo que sobre o mundo alguma ordem já tenha sido dada por outros homens anteriores, nada está determinado, pois o homem que é lançado ao mundo, pode ressignificar o já pronto. Deve ele construir-se e fazer de si um projeto para o futuro.
O desespero é um sentimento experimentado por conta da impotência humana diante dos acontecimentos. O homem pode contar somente com o que depende de sua vontade ou confiar num futuro de probabilidades, as quais, não se sabe se realmente se concretizarão. Pode-se contar com uma viagem de sucesso, pois o tempo está bom, o motorista é experiente, o carro está em condições adequadas. Essas questões dependem da vontade do viajante e de um conjunto de possibilidades que tem grande chance de estar correto, mas nada garante que a viajem vai ser de fato um sucesso, por isso o desespero. A ação humana gera desespero pela incapacidade de controlar tudo o que vai acontecer.
Todos esses situações aparecem na vida de cada ser lançado no mundo e, o movimento que se faz no mundo, pode produzir cada sensação em demasia, gerando sofrimento que precisa ser compreendido e superado. Nesse sentido, a terapia de base existencialista tem como finalidade compreender o movimento do sujeito no mundo e mostrar que ele é responsável por suas escolhas, mas que suas escolhas não precisam ser sempre essas que o faz sofrer. Há sempre outras possibilidades. A terapia existencialista visa também a aproximação do desejo em relação ao projeto.


REFERÊNCIAS

HEIDEGGER, Conferências e Escritos Filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 304 p.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 32 p.
SARTRE, Jean-Paul. Crítica da Razão Dialética: precedido por Questões de Método. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 900 p.



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