"Não importa o que fizeram com você, o mais importante é o que você vai fazer com o que fizeram com você" Sartre

domingo, 11 de setembro de 2011

ESCOLHA PROFISSIONAL: Entre os sonhos, os ideais e o capitalismo

Artigo publicado na Revista de Iniciação Científica da UNESC - Volume 7 - Número 1 - 2009.


ISMAEL FERREIRA2
REGINA TEIXEIRA3
RESUMO
 
O artigo faz uma análise sócio-histórica da escolha profissional, confrontando sonho profissional, habilidades e a realidade do mercado capitalista global e regional, buscando, conjuntamente, viabilizar caminhos possíveis para os jovens de uma escola pública desenvolverem seus projetos profissionais. A prática resultante no artigo aqui escrito aconteceu na Escola Estadual Marcos Rovaris, em Criciúma, SC

PALAVRA-CHAVES
Capitalismo. Fordismo. Just-in-time. Escolha Profissional.

ABSTRACT
            The article make a socio-historical analysis to the profissional choice, confronting profissional dream, abilities and reality of global and regional capitalist market, looking, altogether, find possibles ways to the youngs of a public school develop yours profissionals projects. The pratice resultant in the article here written happened in the school Marcos Rovaris, in Criciúma SC.

KEY-WORDS
Capitalism. Fordism. Just-in-time. Profissional Choice. 

INTRODUÇÃO


As escolhas profissionais realizadas num país subdesenvolvido, não devem ser colocadas acima, ou isentas de uma reflexão sobre as realidades sociais existentes. Pois nenhuma escolha está posta de forma independente das condições sociais, que são, por sua vez, desiguais. O Brasil é um país em que escolhas são restritas a determinadas condições, sobretudo financeiras. A cada dia evidencia-se o distanciamento entre classes dominantes e classes subalternas. Faz-se necessário muito esforço para superação dos obstáculos existentes num mundo que se põe diante de cada jovem brasileiro com suas limitações evidentes e introjetadas nas subjetividades que se constróem nesse sistema, cuja superação da realidade objetiva é necessariamente superação da realidade subjetiva, por isso auto-superação. Nesse contexto, insere-se a proposta de trabalhar com as possíveis escolhas profissionais dos estudantes do terceiro ano do ensino médio, de uma escola pública de Criciúma, SC: Escola Estadual Marcos Rovaris. Visando perceber quais as escolhas profissionais são possíveis de serem feitas, confrontando os sonhos com as condições sociais enfrentadas para realização desses sonhos. Discutindo os caminhos possíveis a serem percorridos, aprendendo a conviver com perseverança diante das realizações e frustrações que fazem parte da luta cotidiana de milhares de jovens que buscam um espaço no mercado de trabalho brasileiro.
A escolha profissional é entendida como sendo um passo importante na vida dos jovens que entram no mercado de trabalho. Significando, muitas vezes, um projeto que se estende para além da escolha de uma profissão, podendo estar relacionado com um projeto de vida. Sabendo da competitividade do mercado; da realidade social brasileira; das precárias condições de educação, com sua finalidade de produzir cidadãos e prepará-los para o mercado de trabalho; do difícil acesso dos jovens a uma qualificação profissionalizante ou superior. Propõem-se, buscar alternativas e discuti-las exaustivamente para construção de um caminho que aproxime os sonhos profissionais de sua realização concreta.
Sabe-se que a escolha profissional não é abstrata, está necessariamente relacionada com um modelo personificado. A idéia de um sujeito que representa determinada profissão, mesmo que essa idéia venha de um universo imaginário, não deve ser ignorada, pois faz parte da construção subjetiva de cada indivíduo (...) não se despreza o que foi trazido [...] considerando a imagem como algo ilusório, fantasioso ou simplesmente distorcido”.4 O imaginário, a idéia do que é cada profissão, do que representa para cada sujeito, os sonhos alimentados e o ideais profissionais, devem ser considerados na escolha profissional.  Uma vez entendido que a escolha de uma profissão não pode estar desvinculada de uma escolha pautada nas diversas experiências que aproximam os jovens de suas escolhas, fazendo com que possam optar por uma determinada profissão, a orientação profissional deve levá-los a ter mais informações sobre as diversas profissões existentes, tendo a finalidade de construir um número significativo de experiências que facilite a escolha. Porém, para além da descoberta de determinadas habilidades, do que cada jovem gosta de fazer, relacionando com uma determinada profissão, dos jogos e testes que apontam para determinadas escolhas, deve-se refletir um “como?” um “caminho”.  Proporcionar vivências que signifiquem para o sujeito as mesmas experiências que ele teria em determinada profissão, com a finalidade de facilitar sua escolha, não é o suficiente. A escolha de uma profissão não é algo abstrato, é sempre pautada em algum tipo de relação com a realidade, quando não, pode-se construir uma ilusão, relacionando-a com determinada profissão.


O EMPIRISMO MATERIALISTA DE ADAM SMITH NA DIVISÃO TÉCNICA DO TRABALHO

No processo histórico da fragmentação do trabalho, o que diferencia as habilidades, segundo Adam Smith, não é a natureza, mas a experiência: “A diferença entre os caracteres mais dissemelhantes, por exemplo, entre um filósofo e um vulgar moço de fretes, parece não derivar tanto da natureza, como dos hábitos, usos e educação” (Smith, 1999). São os hábitos, os usos e educações que nos diferenciam, não uma natureza.
Na divisão do trabalho, Adam Smith considera-o dividido em partes, e cada indivíduo fazendo a sua parte para que se chegue numa produção mais eficiente, partindo do individual para o coletivo. Smith não descarta a necessidade que os indivíduos têm uns dos outros nessa rede de relações que se inicia com a simpatia,[1] mas que é também econômica, por conta da divisão do trabalho que exige a troca do resultado do trabalho de um cidadão com outro. Historicamente, Adam Smith mostra como no sistema capitalista as profissões são distribuídas. Conforme Smith (1999), numa tribo de índios, determinado sujeito faz arcos e flechas com muito mais agilidade e perfeição que outros, assim num processo natural a fabricação de arcos e flechas passa a ser seu ofício, um armeiro. Trocando armas por caça, alimentos, gado, enfim, por objetos que tornam sua sobrevivência possível. Seu próprio interesse leva-o a fabricação de arcos e flechas. Um outro aperfeiçoa-se na construção de coberturas para as cabanas, passa a prestar esse serviço para os vizinhos que lhe retribuem da mesma maneira que o armeiro é retribuído. Da mesma forma um outro torna-se ferreiro, outro torna-se carpinteiro. Assim, conclui Adam Smith: “Os homens de diferentes profissões, quando atingem a maturidade, não são, em muitos casos, tanto a causa como o efeito da divisão do trabalho”.5 Dessa forma, a divisão do trabalho possibilita a diferença entre os sujeitos no sistema capitalista, distribuindo papéis diferentes à serem ocupados. A simpatia passa a levar em consideração a diferenciação de papéis, resultado da divisão do trabalho, a experiência positiva ou negativa com esses papéis, influencia a aceitação ou aversão de pessoas, situações, classes sociais, etc.
Segundo Smith (1999), a escolha de uma profissão está vinculada às afinidades, resultado das experiências, diante da posição que os sujeitos têm na sociedade em que vivem. Porém, a sua compreensão das escolhas profissionais, proveniente dos hábitos, usos e educações, restringe as escolhas, impossibilitando a ascensão de uma classe à outra, fortalecendo a idéia de que o homem é resultado das suas experiências, restritas aos escassos acessos de uma classe, em contraponto ao privilégio de outra, com a falsa idéia de liberdade advinda do liberalismo. Pois, se o que torna os sujeitos diferentes são os usos, hábitos e educações, o proletariado do século XIX jamais encontraria, dentro das suas restrições as oportunidades para uma escolha profissional livre diante da reprodução dos hábitos e educações que lhes foram oferecidos. A divisão do trabalho proporcionou a alienação do trabalhador diante da fragmentação do processo do trabalho, que distancia o empregado da percepção de todo o processo do trabalho, restringindo-o a uma determinada função, rígida, incapaz de olhar para além dela mesma, fortalecendo, nesse momento histórico, a alienação do proletariado em função da não participação de todo o processo do trabalho, tendo como conseqüência a imposição da mais valia, resultado da lógica de mercado capitalista. As escolhas profissionais, restritas ao pensamento de Adam Smith, podem ser pensadas como sendo o resultado de um sistema social, em que escolher é se encaixar da melhor forma possível no mercado de trabalho.


TRABALHO NA ATUALIDADE

O sistema capitalista atual colocou em cheque as características do liberalismo econômico de Adam Smith que sobreviveram ao fim do Estado Liberal e mantiveram-se durante o modelo fordista do capitalismo Keynesiano, sendo elas:
·         A produção em massa: em grande quantidade e longa escala;
·         A divisão técnica do trabalho: esta que vem desde o século XVIII, com o surgimento do capitalismo, em que cada trabalhador realizava uma função específica e repetitiva (mecânica) no processo produtivo.
Na atualidade, em decorrência do intenso desenvolvimento tecnológico, o capitalismo vive uma transformação que reflete na produção e consequentemente no mercado de trabalho. Chamada de Produção no tempo certo ou Just-in-time, essa transformação caracteriza-se, entre outras por:
-          Produção seletiva e controlada: produção para o que o mercado quer em quantidade e qualidade;
-          Automação da produção: mudança na força de trabalho: saindo a divisão técnica (repetitiva); entrando a automatização (a substituição da mão-de-obra por máquinas);
Obs. Vale lembrar que essa mudança da-se-á principalmente sacrificando a mão-de-obra técnica, dita hoje, menos qualificada. Isto por que as funções técnicas na atualidade podem ser feitas pelas máquinas, passando haver a desvalorização dos cursos técnico-profissionalisantes.
-          Qualificação da mão-de-obra: necessidade cada vez maior de conhecimentos, cursos universitários e o máximo de informações que o mercado atual exige.
O Just-in-time criou um novo mercado de trabalho, e um trabalhador que necessita cada vez mais de qualificação, cujo ponto de partida são os cursos universitários, mas não somente eles, a continuidade de aperfeiçoa-los é cada vez maior.
Em decorrência da automação que reproduz a atividade técnica, levando à perda de importância dos cursos técnico-profissionalizantes, o mercado fica cada vez mais seletivo, passando a existir abundância de mão-de-obra e a empregabilidade dos mais qualificados para garantir um melhor desempenho. A automação também cria o desaparecimento de algumas atividades técnicas, mudando os setores de atividades econômicas e criando um novo setor e novos empregos.
O mercado produtivo e de trabalho, que caracterizava-se pelos setores: primário (atividades agrárias), secundário (indústria: produção e montagem) e terciário (bens e serviços),  cria hoje uma nova realidade: o primário mecaniza-se, o secundário perde sua importância e o terciário passa a ser o maior gerador de riqueza e emprego.
O setor terciário passa a ter essa maior importância nessa nova fase do capitalismo (Just-in-time) porque alguns serviços (dentro desse novo contexto tecnológico: automação e necessidade de qualificação), passam a ser altamente rentáveis e necessários, como: informática, setor financeiro, turístico... entre outros. Esses serviços criaram a necessidade de um quarto setor: quaternário que produz educação, conhecimento, pesquisa, ciência e tecnologia, o qual é o grande responsável pela manutenção do Just-in-time, já que reproduz a geração da qualificação da mão-de-obra e tecnologia.


A PRÁTICA DA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

A forma como a sociedade do trabalho, capitalista, organiza-se na atualidade traz uma necessidade de qualificação cada vez maior. É nesse contexto que surge a proposta de investigar as escolhas profissionais dos estudantes de uma escola pública de Criciúma, visando entender quais as razões das suas escolhas diante do último ano do ensino médio, mantendo nosso foco de estudos na dicotomia existente entre o que se deseja e o que é possível escolher; analisando o nível de conhecimento dos estudantes frente ao Just-in-time e as mudanças que o mesmo realiza no mercado de trabalho. A intenção é perceber como cada jovem vê o seu futuro, quais as condições para realizar um sonho profissional ou não realizá-lo, percebendo sua incapacidade de vencer os obstáculos existentes para realização desses sonhos.
As atividades foram realizadas com 17 alunos, estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, do período noturno, da Escola Estadual Marcos Rovaris. Sendo que dos 17 participantes, 15 trabalham durante o dia. As atividades realizadas tiveram como finalidade relembrar e fazer pensar nos sonhos e ideais profissionais de cada participante, discutindo a realidade social em que se encontram inseridos, buscando alternativas existentes em que a escolha profissional é possível de ser feita.
Os participantes responderam algumas perguntas: 1. Qual o sonho profissional que você tinha quando criança? 2. Qual o ideal profissional hoje? 3. Qual o caminho que você se vê percorrendo depois de formado? A finalidade da atividade foi perceber se existia algum distanciamento entre o sonho profissional da infância em relação ao ideal profissional da adolescência e o caminho necessário à ser percorrido para alcançar os objetivos propostos, ou ainda se percorreriam outros caminhos, abandonando os sonhos e os ideais de outrora.
Dos 17 entrevistados, 16 demonstraram abandono dos sonhos infantis, diante de um ideal profissional melhor elaborado na adolescência, levando em consideração a realidade social vigente. Desses, 9 mostraram interesse em buscar como alternativa para realização profissional cursos profissionalizantes, 8 optaram em fazer cursos universitários, apenas um entrevistado foi inteiramente coerente, desde seu sonho infantil, o ideal profissional e o caminho para atingir esse ideal. Vale destacar que sua escolha foi artística. Depois de discutir a realidade social em que os jovens estão inseridos e as oportunidades que são oferecidas, foi proposta uma segunda pergunta: Entre o ideal e o real existe um caminho possível para ser trilhado? Qual? Os 17 alunos acreditam que existe um caminho para alcançarem a realização profissional. Dos 17 alunos, 16 sabem da necessidade de terem um curso universitário e pretendem cursá-lo, mas em conseqüência de suas situações sócio-econômicas, antes querem trabalhar e posteriormente tentar cursos dentro das áreas pretendidas a fim de criarem condições financeiras para custear a faculdade ou irem para outra cidade cursar uma faculdade pública. Desses estudantes, dois deles não acham possível suas realizações profissionais, demonstrando um descrédito grande por eles mesmos e pelo sistema, que por ser excludente gera uma incapacidade de enquadrá-los, apesar de acreditarem na existência de um caminho para sua realização profissional. Apenas 1 sente-se preparado, inclusive sócio-economicamente, para entrar logo em uma universidade e fazer o curso pretendido. O que fica evidente é que esse caminho possível aproxima-se não do sonho ou do ideal profissional, mas das oportunidades oferecidas pelo mercado.


CONCLUSÃO

A partir desse estudo chegou-se a conclusão que a grande maioria dos alunos pesquisados têm uma noção da necessidade de obter uma qualificação na atualidade, mesmo sendo-lhe privado a maioria das informações das transformações decorrentes do just-in-time. Existe uma noção proveniente, muito mais de uma cultura popular resultante das experiências excludentes do mercado de trabalho, do que de informações específicas que ocasionam essa exclusão, que geram um objetivo comum, que é: cursar uma universidade. Percebe-se, porém, que ainda existe uma influência muito grande do modelo fordista da divisão técnica do trabalho e da necessidade de cursos técnico-profissionalizantes, reforçando nossa teoria da falta de informação necessária para que esses alunos sejam orientados a buscar a qualificação que o sistema capitalista (o qual vivemos) impõem ao mercado de trabalho atual.
Diante da realidade imposta pela sociedade capitalista, a escolha profissional só pode ser feita diante das possibilidades, restritas por classe, que impõem um modelo de funcionamento que determina nossas escolhas diante do que pode ser oferecido pelo mercado. Dessa forma, os sonhos, os ideais confrontam-se com a realidade objetiva e perdem-se na proporção em que a ascensão de uma classe á outra é negada, e/ou quando o mercado exige dos indivíduos algo diferente do que os mesmos desejam oferecer. 
Fica evidente a luta pela sobrevivência, mais do que a luta pela realização de um sonho, evidenciando também a grande agonia da construção de subjetividades que negam-se para sobreviver, que se perdem numa construção partindo da concretude do mundo capitalista, que impossibilita a vida pretendida. Assim, tornar-se trabalhador, dependendo do contexto social, sabendo que o trabalho exerce influencias significativas na construção da personalidade, pode, em nossa sociedade, proporcionar a negação do direito de sonhar. Da mesma forma, lutar por melhores condições de vida, alimentar um ideal, um sonho profissional, é manter-se firme como sujeitos em construção num mundo de contradições. Portanto, cabe a psicologia, na orientação profissional, buscar meios de refletir e proporcionar um caminho para realização de uma escolha profissional, pautada na superação das dificuldades existentes na sociedade capitalista.
       

REFERÊNCIAS


SILVA, Cleuza Albuquerque. Revolução Técnico-científica. Belém: Ideal, 2001.
SMITH, Adam. Inquérito Sobre a Natureza e as Causas das Riquezas das Nações. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1999. 1v.
BOCK, Silvio Duarte. Orientação Profissional: a abordagem sócio histórica. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

AGRADECIMENTOS

Com muito carinho a Cléo (Cleuza: citada nas referencias), pelo apoio, auxílio, companheirismo e Amor.
A Professora Regina pela Orientação e revisão, e abertura para uma prática diferenciada em Orientação Profissional


2 Acadêmico do curso de Psicologia da UNESC, ismael_psico@hotmail.com
3 Professora da Disciplina de Orientação Profissional do Curso de Psicologia da UNESC.

4 BOCK, 2002. p 80.

[1] Termo utilizado por Smith no livro Teoria dos Sentimentos Morais, referindo-se ao motivo que torna as relações sociais possíveis.
5 SMITH, 1999, p 97.

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