"Não importa o que fizeram com você, o mais importante é o que você vai fazer com o que fizeram com você" Sartre

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Mundo Dividido

Quantos mundos cabem no mundo? “Cada favelado é um universo em crise”, nos diz o mano Brown dos Racionais, grupo de hip hop. Ainda na mesma música o rapper acrescenta: “um coração ferido por metro quadrado”. Alimentamos a ideia de que nossos mundos não estão conectados e de que o mundo do outro nada tem haver com o nosso. Seguimos sem ver de fato o que o mundo é, a parte dele que nos conecta, que denuncia a verdade da qual todos queremos escapar: o mundo é um só para todos nós. Queremos dividi-lo e até podemos, mas não durante todo o tempo, o comum nos aparece hora ou outra. Outro dia Eike Batista ficou sem gasolina e não pode prosseguir sua viagem com seu belo Porsche. Nesse momento, Eike dividiu o mesmo mundo, com sorte não foi assaltado, ou mesmo morto, mas se tornou vulnerável e teve que lhe dar com a ausência de divisórias, recorreu a internet, a qualquer um na internet, a outros mundos.
O que nos separa, o que nos torna singulares, o que nos causa a falsa sensação de pertencermos a outro mundo e contexto. Parece nosso caminho, nosso norte necessário para poder prosseguir nessa ilusão moderna da vida e da felicidade. O semáforo mostra essa divisão de mundos, de lados, de vidas, de oportunidades. De um lado o rosto sujo e suado do pedinte, com fome de comida, de drogas, de felicidade, de oportunidade. Do outro lado o conforto do ar condicionado do carro, a música na memória do MP3, a certeza da conexão com o mundo pelo celular e internet, de que mundo, do seu mundo particular, privado, dessa virtualidade.
Mas, se o vidro for quebrado pela revolta do mundo vazio de objetos desejados, se a oportunidade da droga e da felicidade estiver na piedade de quem abaixa o vidro, se uma arma cruzar e conectar mundos tão distantes, denunciando a certeza de que o mundo dividido é apenas uma vaga e inconstante ilusão da vida moderna? Então em segundos, poucos segundos, o cheiro da marginalidade invade o ar gelado e climatizado, os perfumes se misturam, o ódio e a indiferença passam a habitar o mesmo espaço e percebem que são irmãs siamesas que um dia foram separadas. Num fim trágico o mundo mostra ser o mesmo para todos, pelo sofrimento.
O mundo é o mesmo, mas insistimos em vê-lo separado, como se cada qual tivesse o seu. Os universos em crise se conectam nos dramas humanos do filho drogado que mata o pai, a mãe, o avô, sendo nobre ou plebeu. O coração que não é amado endurece e se torna indiferente a tudo e todos, no detentor do poder do Estado e do Estado Paralelo. As balas perdidas destroem as vidas de quem as recebe e de quem ama quem as recebe, independente do mundo que pertença essa dor. A rejeição é sentida aqui e lá, por mim e por você.
O mundo real que dividimos com suas possibilidades e impossibilidades é sempre o mundo que existe, porém confrontado com nossas ilusões inventadas, cortejadas por nosso imaginário em nossos surtos dos quais quase sempre acordamos tarde demais. Nossa frase tem sido sempre tardia e arrependida: O que foi que eu fiz?
Um outro mundo é possível? Não! O mundo é possível. Nosso mundo compartilhado e comum o qual construímos olhando para ele ou fugindo dele em nossos voos imaginários. Torná-lo melhor depende das atitudes que tomamos, dos passos que damos, da certeza que o dividimos e em nossa ganancia privamos, enquanto que em nossa solidariedade, compartilhamos.