"Não importa o que fizeram com você, o mais importante é o que você vai fazer com o que fizeram com você" Sartre

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Conhecimento que Redescobre o Homem

As Contribuições de Descartes Hume e Nietzsche para o Pensamento



Ismael Ferreira

Artigo publicado no Anexo Ideias do Jornal A Notícia  em 06 de Julho de 2008.

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Descartes

René Descartes, filósofo francês do século 17, no livro "Meditações", desenvolveu um método que julgou ser capaz de conhecer a verdade. No livro, Descartes mostra que a experiência é enganosa e que tudo o que até aquele momento considerava verdadeiro, era enganoso, pois os sentidos eram enganosos.

Não querendo cometer novamente os mesmos erros, entendeu ser necessário se desvencilhar de todas as certezas que até então concebia como verdadeiras, dizendo a si mesmo: "O menor índice de dúvida que eu nelas encontrar será suficiente para impelir-me a repelir todas" (Descartes, "Meditações").

Descartes chega assim a uma conclusão: pode-se duvidar da existência do corpo, da exatidão dos sentidos, da existência de Deus, do mundo, dos outros seres e objetos, porém, não se pode duvidar da ação de duvidar, ou seja, não se pode duvidar do fato de estarmos duvidando. Se estamos duvidando, estamos pensando. Diz Descartes: "O pensamento é um atributo que me pertence; somente ele não pode ser separado de mim" (em "Meditações"). A própria existência é confirmada pelo pensamento. O que somos? Somos alguma coisa que pensa. O pensamento é a única pedra segura na qual se pode alicerçar um edifício seguro. Essa reflexão leva a sua mais famosa frase - cogito ergo sum - penso logo existo. Somente por meio da razão se pode chegar a algo confiável.

Descartes defende a existência de idéias inatas em nós, como o cogito ergo sum, sendo percebido principalmente quando é comentada a existência de Deus. Deus existe para Descartes por existir em nós a idéia de perfeição, quando não somos perfeitos; a idéia de infinito, quando somos finitos e etc. Não poderíamos ser os autores dessas idéias, uma vez que não existem em nós essas qualidades. Faz-se necessário que alguém tenha colocado essas idéias em nós. Ainda, se não sou o criador de mim mesmo, logo sou criado. Ser criado requer a existência de um criador, da mesma forma que ser imperfeito e finito requer a existência de algo perfeito e infinito.

Assim, Deus deixa de ser um objeto da fé e passa a ser um objeto da razão, podendo a filosofia compreender este fenômeno a partir do uso do seu mais forte instrumento, segundo Descartes, o pensamento. Teóricos posteriores falaram que Descartes deu um tiro no próprio pé, pois definiu a razão como método e buscou mostrar como poderíamos chegar à idéia de Deus usando a razão. O problema foi a reflexão que gerou: se a razão é humana, então a idéia de Deus também é humana, portanto, Deus no racionalismo não é um fenômeno em si, mas um produto da capacidade racional do homem. Dessa forma, o mesmo método negou a existência de Deus.

Idéias podem brotar da experiência

David Hume, na sua obra "Tratado da Natureza Humana", nos leva a uma investigação concernente à construção das idéias mediante a impressão do chamado mundo sensível. Para Hume, primeiro temos uma impressão; posteriormente às impressões, surgem as idéias e, dessa forma, todas as nossas idéias existem ou passam a existir de forma a posteriori em relação à experiência.

Convém lembrar que nessa reflexão, Hume não avalia o mundo, mas a percepção que nossa mente tem do mundo. Pressupondo que nenhuma idéia surge em nossa mente de forma anterior à impressão que nos vem por meio dos sentidos, por isso, ao nascermos, não temos nenhuma idéia em nossa mente, sendo necessário que a mente perceba os objetos para construir as idéias desses objetos.

Hume entendeu que somente seria possível pensar após a impressão que temos através dos sentidos, portanto, alguém que nunca viu algo não pode ter a idéia do que nunca viu, dessa forma, todas as nossas idéias são conseqüências das impressões. Assim Hume, em sua filosofia, deduzira que as idéias surgem mediante a experiência, logo, são empíricas.

Tanto as impressões como as idéias são para Hume percepções da mente, sendo conveniente observar ainda uma segunda constatação: não apenas existem impressões e idéias, mas podemos dividir, tanto as impressões quanto as idéias, em simples e complexas.

Simples, sejam impressões ou idéias, são aquelas que não admitem separação ou distinção. Um objeto observado causará uma impressão. A impressão que tivermos desse objeto formará em nossa mente uma idéia desse objeto. Impressões e idéias simples são aquelas que não podem ser divididas. Nossa mente as concebe como são.

Complexas, podem ser divididas em partes. Podemos conceber a idéia da forma, do cheiro e da cor de uma maçã. Nossa mente é capaz de pensar separadamente cada uma dessas idéias. Assim, idéias complexas admitem separações.

A grande contribuição de Hume está na percepção dos sentidos como instrumento para formação de nossas idéias. Elaborando uma compreensão de como o mundo externo ganha representação interna, na abstração do concreto pelo subjetivo. Foi a compreensão de que os sentidos podem trazer até nossa mente idéias que possibilitou à ciência a produção do seu conhecimento por meio da observação. Portanto, cientistas de todo o mundo que hoje usam a observação como método seguro para obtenção do conhecimento devem agradecimentos às contribuições do filósofo Hume.

Eterno retorno como juízo da vida

A idéia do termo "eterno retorno", desenvolvida por Nietzsche, considera a repetição constante do todo uma condição eterna, ou seja, todas as coisas retornam eternamente. Assim, viveremos a mesma vida, com toda a dor e felicidade, eternamente. Tudo o que existiu, existirá outra vez, a história se repetirá, as múltiplas formas de organização da matéria se repetirão, pois as forças são eternamente ativas. A vida, para Nietzsche, se constitui como vontade de potência e são essas energias potencializadas que se repetem eternamente, pois a eternidade é a condição do ciclo da ação das forças.

Dessa forma, Nietzsche concluiu que o eterno retorno só pode ser compreendido como um círculo eterno de manifestação de forças, sem jamais chegar a um momento de repouso, sem jamais chegar a um equilíbrio - mas seus movimentos são de igual grandeza para cada tempo. Assim, todos os instantes da vida retornarão, cada dor, cada alegria, cada tristeza, cada prazer, enfim, todos os momentos.

A partir dessa compreensão, Nietzsche lança a reflexão que se deve fazer diante da perspectiva de se viver o eterno retorno, pois diante dele se percebe as forças ativas e reativas que dão origem à moral.

O que Nietzsche nos mostra com o pensar na perspectiva do eterno retorno é que cada momento deve ser vivido com toda a intensidade a fim de que esse momento se torne eterno. Amar de tal forma esse momento, desejá-lo de tal forma que o desejo deve querer viver outra vez esse instante. Assim, desejar viver outra vez um momento é afirmar a vida, e não desejar viver outra vez o momento é negá-la. Podemos odiar ou amar a vida ao penarmos na sua repetição constante. Imaginá-la repetindo-se pode nos causar horror ou alegria, e esses sentimentos vão nos posicionar como fortes ou impotentes diante da vida.

Para muitos, tal reflexão é angustiante e inaceitável, porém, ao pensarmos na vida de Nietzsche, perceberemos a estreita relação com sua filosofia. Perdeu o pai cedo, teve uma saúde debilitada e enlouqueceu ainda na maturidade - loucura da qual nunca se recuperou, levando-o ao óbito. Dizem que sua loucura foi resultado de uma DST, outros dizem que foi um problema fisiológico, enquanto também cogitam que foi sua própria filosofia que o deixou assim. Mas o importante não é definir o motivo, e sim perceber que Nietzsche amava a vida com todas as sua inquietações, instabilidades e sofrimentos. É dele a frase: "Porque, note-se bem: foi precisamente nos anos da minha mais débil vitalidade que eu cessei de ser pessimista" (em "Ecce Homo").

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